Os novos brechós ganham espaço com acervos garimpados no Exterior, peças vintage exclusivas e um conceito descolado de reciclar o guarda-roupa.



"Nossas traças são todas muito limpinhas e com lacinhos no cabelo."

Babi Andrade, proprietária do brechó Casa da Traça, se diverte com a metáfora que inventou. A brincadeira acaba ajudando a explicar a onda que se espraia pelo país: são lindas vitrines, portas grafitadas, portões barrocos atrás dos quais abrem-se novos espaços dedicados a vender roupas usadas.

Usadas ou apenas cansadas, paradas, abandonadas no fundo de guarda-roupas. Os novíssimos brechós abrem as portas associados a um mesmo conceito, com muitas palavras gravitando ao redor: vintage, second hand, garage sale, clothing swap, recycling, garimpo, troca, escambo, reuso, seminovo, moda sustentável, ressignificação, desapego.

Desapego é uma palavra ótima, usada pelas blogueiras do Street Style Porto Alegre. Elas não têm um brechó nem uma loja virtual. Realizam garage sales: marcam uma tarde de sábado e levam para um lugar bacana araras, cabides e cabideiros com peças dos seus próprios guarda-roupas e dos closets das amigas.

- É um momento de desapego e de troca, que junta gente que está precisando esvaziar o armário e quer se desfazer de peças, e gente que está querendo renovar a preços módicos - explicam Luísa, Claudinha, Helene, Laura e Barbara, as gurias do blog www.streetstylepoa.com.br.

Dallen Fragoso, do brechó Tag de Lux, completa:

- Perceber "comprei uma peça nova, vou me desfazer de outra" é consumo consciente. Essa atitude aumenta a vida útil da matéria-prima, faz a máquina girar e deixa toda a cadeia feliz.

Em resumo, uma lufada de ar fresco arejou o conceito de usado. E pensar que foi no século 19 que um mascate chamado Belchior ficou conhecido por vender roupas e objetos de segunda mão no Rio de Janeiro. Com o tempo, os cariocas enrolaram a língua e virou "brechó". Passaram-se as décadas e ficou chique esse tal de Belchior...

Tag de Lux

No começo, era o consultório de quiropraxia no térreo e um brechó pequeninho, petit comité, no mezanino. Faz um ano que o consultório de Dallen Cardoso subiu, e o Tag de Lux desceu, para se tornar o mais sofisticado brechó do Estado.

Ela começou reunindo as amigas em casa para fazer clothing swap, quando ainda nem sabia que esse era o nome dado às “reuniões de luluzinhas com chá, bolo e troca de roupas".

Assim como a filha, a mãe de Dallen mantém há quase 20 anos um brechó no centro de Novo Hamburgo:

- Roupa usada nunca foi tabu para mim - conta Dallen, por e-mail, de Nova York, onde está fazendo o que mais gosta: garimpo.

- Este ano já fui a Paris, Londres, Roma, Portugal e Buenos Aires. Agora, Nova York e arredores. Também vivo garimpando os closets de mulheres estilosas do pais. Não importa exatamente de quem é a peça, mas sim "o quê é" a peça. Esse critério, por si só, já é uma peneira bem apurada.

Sua clientela? Mulheres à procura de um diferencial para compor seus looks.

- Elas não precisam se vestir com roupas second hand, mas vêm e voltam porque "compraram" a ideia de moda exclusiva e grifada a um valor encantador.

Nas araras do Tag de Lux, Vivienne Westwood, Comme des Garçons, Chanel, Dior, Prada, Dolce & Gabanna, Miu Miu, Diane Von Furstenberg e as brasileiras Alexandre Herchcovitch, Osklen, Maria Bonita Extra, Animale, Athmosphere, H&M entre muitas outras.

Na última segunda-feira, Dallen enviou à revista uma foto em que aparece na frente do brechó dos sonhos, em Nova York:

- O INA é o queridinho da figurinista de Sex and the City. É uma verdadeira curadoria de peças, tudo remete a exclusividade, cuidado, primor, beleza, magia. 

Passa Passará

Começou em 2008, com uma pequena loja, do tamanho de uma vaga de garagem, na Rua 24 de Outubro. Hoje, o brechó Passa Passará ocupa 240m² na galeria 5ª Avenida Center - espaço dividido entre a loja propriamente dita e uma sala auxiliar, que se enche de fornecedores às segundas, sextas e sábados. Os fornecedores são basicamente mães que se desfazem de roupas, calçados, acessórios, protetores de berço, fantasias, brinquedos, banheiras, carrinhos, cadeirinhas de carro, cadeirinhas de refeição, DVDs, livros... Tudo o que ficou pequeno, perdeu utilidade ou deixou de ganhar atenção de bebês e crianças até 12 anos.

-Tenho uma filha de um ano e meio, e minha irmã tem uma filha de 7. Quase tudo o que nossas filhas têm, desde móveis do quarto, decoração, brinquedos, carrinho e até acessórios de cabelo, tudo vem do Passa Passará. E garantimos que elas não estariam tão bem vestidas, com roupas de boas marcas e importadas, e não teriam os brinquedos tão legais, se não fosse o brechó - afrima Anelise Oliva, sócia da irmã, Melissa, no negócio.

Para as crianças, sempre foi natural deixar um brinquedo na casa do amigo e levar um do amigo para casa. Por isso, elas já separam as roupas que não servem e dizem que vão levar para o brechó. Lá, escolhem algo novo ou usam o dinheiro da venda para comprar algo que estavam querendo.

Ela e a irmã fecharam a escola de educação infantil que mantinham, juntas, desde 2003. Observaram a necessidade dos pais de se desfazerem do que os filhos não aproveitavam mais e ficava ocupando espaço em casa.

- O tempo de utilização dos produtos de criança é curto, as roupas deixam de servir, os brinquedos passam da faixa etária, a cadeira de carro fica pequena - lista Anelise, que aponta entre as marcas que repassa GAP, Green, Ralph Lauren, Lilica e Tigor, Zara, Brooksfield, Calvin Klein e até Armani e Dior.

Mães e pais jovens (cada vez mais assíduos, assinalam as proprietárias), dindas, tias, avós, inclusive do interior do Estado, formam a clientela de Anelise:

- Alguns vêm todos os dias, outros uma vez por semana. Sabem que sempre tem novidade.

Afinal, as crianças sempre souberam que quem "passa passará, o de trás ficará". 

Casa da Mãe Joana

A chegada dos bebês das amigas foi um convite a mergulhar "nesse louco mundo de consumo infantil", segundo descreve a psicóloga Joana Brasil. Na ciranda dos chás de fralda, visitas a maternidade, dias da criança, natais e festinhas, ela e a fisioterapeuta Roberta Velasco perceberam que as cômodas dos filhos das amigas estavam cheias de roupinhas pouco usadas pedindo uma família nova. Nascia o brechó itinerante Casa da Mãe Joana.

- Nossa filosofia é prolongar e incentivar a reutilização de roupas e acessórios infantis que estão em ótimas condições e participar da construção de um mundo mais saudável e sustentável - detalha Joana, fã do brechó americano Once upon a Time.

- Além disso, comprando em brechós, você está fazendo um favor ao seu bolso.

Hoje, as araras e displays da dupla passeiam por diferentes endereços carregados de roupas, sapatos e acessórios de marcas como GAP, Nike, Puma, Tommy Hilfiger, Ralph Lauren, Oshkosh, Tigor e Lilica, Tip Top e tudo o que Joana e Roberta acham "bonito, de boa qualidade e em ótimas condições para o repasse".

Boas ideias se tornam ainda mais legais quando dão as mãos a boas ações: peças que não estão em condições de ir à venda, mas que ficam perfeitas com um ou outro consertinho, são redirecionadas pelas primas para doações a entidades carentes.

Anote as datas das próximas edições, em agosto: dia 24, na Chilli (Independência, 1211, loja 02), dia 25, na Chocollate Brazil (Hilário Ribeiro, 311) e dia 30, na Malô Store (Florêncio Ygartua, 145). 

Casa da Traça

Babi Andrade sempre gostou de frequentar brechós à procura de peças antigas. A mãe era costureira, e Babi cresceu entre tecidos, linhas e revistas Manequim. Em 2008, abriu um brechó modestinho em Novo Hamburgo, com roupas antigas e um canto dedicado à moda alternativa que alguns amigos produziam artesanalmente. Fechar a loja de Novo Hamburgo, em 2010, e abrir uma nova, em uma casa histórica na Avenida Independência, em Porto Alegre, "foi uma loucura que deu certo", nas palavras da empreendedora de 25 anos.

- Mais do que um brechó ou uma loja alternativa, a Casa da Traça tem se tornado um espaço que as pessoas querem conhecer e frequentar. Nossa fusão de moda, música e arte ganhou um status "cult" para a garotada. O que, se formos parar para pensar, é engraçado: uma proposta fora dos padrões, uma casa cheia de “velharias” despontando como um lugar de vanguarda - avalia Babi.

O acervo da Casa da Traça vem de lojas que têm estoques antigos, originais de época, que ficaram guardados por anos, são peças raras chamadas de "vintage sem uso". Ela também trabalha com fornecedores atacadistas, que selecionam peças com o perfil do brechó.

- Nosso consumidor gosta da raridade da peça, do design alternativo, gosta de lembrar da época em que usou ou gostaria de ter usado peças como aquelas que encontra aqui. O ato de compra de nossos clientes é acima de tudo sentimental.

Babi tem entre os clientes figurinistas, produtores de moda, músicos e artistas. Ela brinca com a ideia de que não precisa ser "o rei do vintage" ou ter um estilo alternativo para consumir em brechós.

Sua filosofia é: tudo se reaproveita. Na Casa da Traça, as peças de decoração são fitas cassete, vinis, frigidaires, móveis e objetos antigos que normalmente iriam para o lixo. Reciclados, eles dão uma cara colorida e quase caótica ao lugar.

Vintage Brechó

Carla Gallas mora em Buenos Aires há 10 anos. Antes de mudar de cidade, houve uma época em que anoitecia e amanhecia no Bom Fim. Ela praticamente morava no Elo Perdido, um mito na noite de Porto Alegre nos anos 90. Carla era proprietária do bar por trás da fachada sem letreiro na Rua Garibaldi, endereço de culto na memória de uma geração. Era um espaço decorado com peças vintage, antes que a palavra vintage entrasse para o dicionário dos consumidores brasileiros.

Hoje, Carla atua como produtora, diretora de arte e figurinista de cinema. Tantas atividades não impedem que ela encontre tempo para retomar a paixão que permaneceu latente por anos. É o seu querido projeto "Elo Perdido 2, A Missão": o Vintage Brechó, inaugurado há três meses, com um acervo incrível de peças garimpadas em Buenos Aires.

Carla se orgulha de conhecer cada cantinho onde haja qualquer coisa antiga na capital argentina e mantém um pequeno antiquário no bairro dos antiquários, San Telmo.

- Buenos Aires é muito generosa em objetos, móveis, roupas, tudo o que seja vintage. Há compradores do mundo inteiro aqui.

Seu olhar se dirige mais ao estilo do que à etiqueta. Mas ela sempre cruza com algum Kenzo, Cacharel, Dior ou Burberry. E muitos sem etiqueta, porque, antes da febre das grifes, nos anos 1980, as mulheres realmente chiques mandavam fazer suas roupas sob medida, com tecidos de excelente qualidade.

Carla perdeu a conta das peças glamourosas que já passaram por suas mãos. Lembra de um casaco de festa todo bordado de miçangas de vidro de uma marca que não existe mais, Oleg Casini.

- Ele era um playboy bonitão, que foi namorado da Grace Kelly antes dela tornar-se princesa. Era o queridinho de Jackye O. e vestia Marilyn Monroe, Rita Hayworth, Joan Crawford, Natalie Wood, uma lista sem fim.

Esta peça está em exposição no Vintage, que está instalado em um espaço nos fundos da Loja Pandorga. Carla acompanha o negócio à distância.

Dois brechós legais que Carla recomenda a quem viaja? Em Londres, Camden Town. Em Nova York, The Antique Boutique, na Broadway Avenue, no Village, "com suas roupas imaculadas, vestidos enormes de festa, chapéus imensos, muito tule". 

Street Style Poa

Luísa Fedrizzi, jornalista, Claudinha Palma e Helene Hermes, relações públicas, Laura Madalosso, publicitária, e Babi Mattivy, empresária, formam o coletivo Street Style Porto Alegre. No blog de moda de rua e lifestyle atualizado diariamente com fotos de gente estilosa, elas explicam:

- Nosso único compromisso é estar atento ao que acontece e registrar o estilo descontraído que transparece nas ruas de Porto Alegre.

Também atentas ao que extrapola seus próprios armários e os armários dos amigos, elas organizaram, no final do ano passado, o primeiro Garage Sale Street Style Poa. É um evento que acontece mais ou menos a cada três meses, em bares ou cafés.

- Não somos um brechó. Temos coisas novas e seminovas, coisas bem atuais, com etiqueta, coisas antigas, peças diferentes das que estão em todas as vitrines... Enfim, tudo se mistura - esclarece Claudinha, que ilustra a capa desta edição da revista Donna.

A palavra-chave do quinteto é desapego:

- Separamos o que temos nós mesmas para desapegar e verificamos com pessoas próximas se elas têm algo para se desfazer também. Aí juntamos tudo, selecionamos, organizamos, etiquetamos e montamos o evento.

A última edição, em julho, alcançou mais ou menos 300 pessoas. É um público predominantemente jovem e feminino, mas os meninos estão indo cada vez mais.

Quem achou legal até agora, pasme: TODAS as peças custam entre R$ 5 e R$ 100. O casaco de pele cor de mel, legítimo, perfeito, que está pendurado na capa, foi vendido, por R$ 80.

Dedicadas de corpo inteiro ao assunto, elas têm dicas certeiras de brechós legais.

Luísa: "Em São Paulo, B.Luxo, À La Garçonne e Juisi by Licquor. E os flea markets ("mercados de pulgas") de Berlim, Amsterdã e Lisboa. Na internet, o eBay, ótimo para comprar vintage".

Helene: "Um brechó onde sempre achei muitas coisas legais acontece na minha cidade natal, Santa Cruz do Sul. Um grupo de freiras recebe contêineres da Alemanha com muitas roupas, acessórios, brinquedos e vende tudo a preços mega-acessíveis".

Claudinha: "O Cheap Jack’s Vintage Clothing, em Nova York, não é tão acessível, mas os achados compensam pela exclusividade. O brechó online www.urbanvintagers.com.br é brasileiro e tem peças que, além de vintage, também são customizadas.

Nossa Senhora das Maravilhas

Angela Rolim lembra de um scarpin Louis Vuitton, perfeito, com a etiqueta no solado. Confessa:

- Pensei em ficar com ele (e completa, decepcionada) , não era o meu número.

Foi vendido para uma felizarda cliente do brechó por R$ 195.

São itens de desejo como esse que preenchem todo o espaço da loja localizado na Galeria Champs Elysées, ao lado de peças com etiquetas Kenzo, Jimmy Choo, Armani, Calvin Klein, Gucci, Christian Dior, Gloria Coelho, Reinaldo Lourenço, Victoria Ortiz, La Tigresse, Alessa, 284. Produtos recebidos em consignação - afinal de contas, o que é descartável para uma pessoa, pode ser objeto de desejo de outra. As peças "queridinhas" recém-chegadas alimentam a atualização diária do site. A novidade será a loja virtual, inaugurada quando chegar a primavera.

A proprietária do Nosssa Senhora das Maravilhas tem assistido, nos últimos meses, o nome do sua loja ser um dos primeiros citados quando o assunto é a atual reinvenção da palavra brechó. É, realmente, um nome fácil de memorizar por quem quer garimpar novidades seminovas para seu armário: roupas, bolsas (muitas bolsas), sapatos de festa e esportivos, acessórios, bijuterias, tudo em ótimo estado e a preço bem abaixo do mercado.

- Queria para a loja um nome que remetesse às coisas maravilhosas que pretendia oferecer, mas também gostaria de homenagear Nossa Senhora. Eis que surge essa nova Nossa Senhora chamada das Maravilhas, que tem devoção na Espanha.

Com o nome dos sonhos abençoando a fachada, Angela faz questão de destinar, todos os meses, um parcentual das vendas a organizações não governamentais e entidades carentes.

Fonte: DONNA ZH 
(http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/donna/noticia/2012/08/brechos-ganham-o-mercado-3856724.html)


2 Comentários

Santa Luh disse...

Oi...
Adorei a postagem sobre os brechós...
Boa semana,
Bjs,
Luh.

Ângela M. disse...

Boa mesmo!
Quando li no encarte da Zero Hora, tive que compartilhar.

Boa semana.

Beijos
Angel